Os meus cães sabem que não sou um cão e sabem distinguir-me das outras espécies, portanto não me adianta tentar ser o alpha de uma matilha apenas existente na minha cabeça...Para o cão não fará qualquer sentido eu sair por uma porta primeiro, sentar-me primeiro, comer primeiro, etc... Isso poderá ser importante para que o cão seja respeitoso mas não para que me veja como alpha.
O LOBO E O CÃO
O conceito de que devíamos ter uma organização social com os nossos cães baseada no estatuto hierárquico, exatamente como os Lobos, é errado. Para haver um equilíbrio na relação humano/cão é só necessária uma correta socialização na fase crítica do crescimento do cachorro, conhecimento da linguagem canina para que possamos interpretar os sinais emanados por estes e um consequente adestramento em obediência social, seguindo os princípios do condicionamento operante e sem recurso ao castigo físico.
Tanto o cão, como o chacal como o coiote, numa dada altura do seu percurso afastaram-se do seu ancestral, o lobo e evoluíram noutras espécies totalmente distintas. Ao longo da evolução dos cães como espécie autónoma, foram produzidas mudanças físicas que devemos considerar, como forma e tamanho do crânio, glândulas sudoríperas nas almofadas das patas (cães sim, lobos não), alteração do porte e colocação da cauda, cios por ano, pelagem, movimentos e conformação geral. Durante o período de sociabilização Homem-Cão, é possível que o lobo tenha modificado muito pouco a sua estrutura física e mental, em contrapartida nós temos produzido, mediante uma combinação de factores naturais e de seleção, raças de todas as formas e tamanhos.
O lobo manteve o seu peso, tamanho e coloração do pêlo e não houve alterações pelo menos nos últimos 1000 anos.
Porque é que não aproveitámos já há mais tempo as experiências feitas com os adestradores de golfinhos e baleias no início dos anos 60 do Século XX e que, devido aos excelentes resultados, vieram subsequentemente a serem prática comum nessa atividade? É consensual que nessas situações não se podia adestrar esses animais com base na subjugação e no medo uma vez que isso seria inconsequente devido a razões óbvias. Foi antes usado o clicker. Porque não em cães e gatos? A melhor técnica de aprendizagem é a do condicionamento operante.
O termo dominância encontra-se mal descrito e por isso gera bastante confusão e conflito.
Segundo Roger Abrantes, a dominância pode ser descrita como um comportamento que é apresentado para eliminação da competência de outro membro do " grupo", de forma a se obterem recursos sem uso da força (sem lesões). É diferente de agressividade, pois esta é definida como um comportamento também com a finalidade de se obterem recursos, mas caracterizado pela existência de confronto físico para com membro fora do grupo. Entende-se então que a dominância existe entre membros da matilha, e a agressividade ocorre entre animais não relacionados/animais que não convivem habitualmente.
A Matilha
..."a hierarquia define-se como uma relação de dominância-submissão que se estabelece e se mantém através de comportamentos ritualizados”.
Tendo em consideração que nós controlamos a maioria, se não todos os recursos dos nossos cães, incluindo se pode ou não procriar, a definição de dominância para o lobo - “um instinto condutor básico de sobrevivência canalizado para eliminar a competição de outro animal com quem coabita” - não se pode aplicar aos nossos cães.
As matilhas de lobos são criadas porque, em grupo, existem mais chances de sobrevivência, maior facilidade para encontrar alimento e maior facilidade para gerar descendência! É então do interesse destes animais, agruparem-me. Porém, mesmo dentro de um matilha de lobos hierarquizada, os comportamentos de agressividade são raros. Existem animais de status superior, aqueles que acasalam entre si e que detêm maior capacidade para liderarem os restantes lobos -respeitam na mesma os restante membros e são os responsáveis por guiar a matilha.Costumam ser o animais mais velhos, porque a hierarquia tende a ser familiar. Mas atenção - esses lobos não andam sempre na frente para demonstrarem que são superiores (eles vão na frente no inicio de uma caçada, mas apenas para guiar o caminho, depois podem ficar para trás) nem comem primeiro (após obtenção de recursos cada um come por si, as interações ocorrem no momento de obtenção dos recursos).
O status entre indivíduos e a dominância são conhecidos, não através de agressividade, mas sim através da demonstração de sinais de dominância e submissão formais, que são comportamentos, atitudes posturais e expressões faciais adotadas pelos animais. Estes sinais existem para que se evite o confronto e que este escale para demonstração de agressividade! A agressividade não é desejada, porque danifica o bom funcionamento da hierarquia. Numa hierarquia harmoniosa esses sinais e status são bem aceites, e há respeito mútuo entre os membros. Porém, se por algum motivo (recursos, cópula) existir a necessidade de luta por recursos ou cópula, algum dos animais terá de demonstrar dominância por agressividade, de forma a obter o que quer. Um animal que demonstre agressividade, dificilmente elevará o seu status, pois apenas demonstra que tem mau temperamento e que poderá prejudicar a matilha, então nunca será um bom "líder" ou defensor da matilha. Para além disso, entrar em conflito leva a gastos de energia necessária para a sobrevivência. Esse animal agressivo sabe disso, entende-se então que a agressividade apenas surgiu para a obtenção de recursos, e não para elevação de status.
Numa matilha de lobos, o termo alpha deixou de ser usado para dar lugar aos termos "breeders" - breeders são machos e fêmeas que acasalam uns com os outros para gerarem descendência. Os restantes machos não procuram parceiras, e as restante fêmeas não manifestam cios, portanto são de um status inferior. Não se nota que exista um macho que coma primeira, ou um macho que cace mais, portante não existe realmente um membro alpha, apenas um que poderá ter um papel maior na conduta da matilha e na sua perpetuação.
Então e o cão?
Existe ainda um preconceito: que tudo o que os cães fazem é com o objectivo de dominar os humanos que com eles convivem e subirem na hierarquia. Errado.
Se isso acontecer é porque não foram socializados e não lhes foi devidamente comunicado que para se viver plenamente inserido numa sociedade só têm que se cumprir algumas regras e que não é necessário agir de forma agressiva para atingir os objetivos que nos cães são, fundamentalmente, a proteção dos recursos. Um cão que sobe para o sofá e se encosta à nossa almofada não está a ser dominante, apenas quer ir para lá! Se sempre lhe foi permitido ir para lá, é normal que a dada altura fique chateado se isso lhe for impedido!
Devemos lembrar-nos que os cães e os lobos têm prioridades distintas! Numa matilha, os lobos devem assegurar a sua sobrevivência. O cão deixou de precisar de caçar para se alimentar, de procurar companheira/o para se reproduzir e de guardar para se proteger uma vez que o seu dono humano proporciona-lhe tudo isso - nós somos o detentor de recursos. Não há necessidade de se estabelecer uma hierarquia, porque as necessidades básicas de sobrevivência são facilmente obtidas através do dono.
Os lobos têm que aprender muito rapidamente as habilidades de caça para poderem sobreviver, enquanto um cão doméstico não necessita de aprender as técnicas de caçar e matar. Os cães podem gostar de viver em grupos, mas não têm a mesma necessidade de estabelecimento de hierarquia como os lobos - talvez em grupos de cães vadios isso seja mais marcado pela necessidade de sobrevivência, mas em cães "caseiros" isso não é notado.
Nós não estamos equipados com a mesma anatomia de um lobo ou de um cão para sermos capazes de comunicar com um cão a nossa posição. O cão da sociedade não necessita de nos incluir numa hierarquia. Apesar de existir a expressão “agressão por dominância” ela não implica que o cão tenha como objectivo elevar o seu estatuto.
“A intensificação de qualquer resposta agressiva por parte do cão é uma correção ou interrupção passiva ou ativa do seu comportamento”. Isto significa simplesmente que se um cão sofre de ansiedade devido à nossa atitude para com ele, pode tornar-se agressivo, mas não significa que seja agressiva para tentar subir na hierarquia. A Dra. Karen Overall redefiniu o termo como “controlo do impulso de agressão”.
Os cães não são agressivos de forma impulsiva se possuírem um temperamento equilibrado, forem bem socializados e não sofrerem maus tratos. “Não existem evidências de que este tipo de cães seja algo mais que uma variante de um cão normal, e não está associado a nenhum tipo de posto hierárquico artificial… nem existem evidências de que este tipo de cães tenha desenvolvido algum tipo de agressividade patológica”.

Muitas expressões de agressividade canina que se encaixam no diagnóstico de agressão por dominância, têm como objectivo evitar algo que o cão entende como aversivo, mais do que tentar manter um status social. Como tal, um cão que esteja constantemente sob stress, se sinta ameaçado, ou que seja estimulado a ser agressivo, será agressivo.
Muitos definem a dominância nos nossos cães como a “proteção dos recursos”. Uma boa educação e controlo dos recursos evita cães agressivos. Não se pode esperar que se se impedir o acesso de um cão a um brinquedo ao qual sempre teve acesso sem ter de "pedir", ele não fique importado ou tenta ripostar/responder! Nós é que o habituamos a isso... O importante é educar o animal desde cedo a esperar por qualquer interação, seja comer, brincar, saltar para o colo. Assim ele aprende a ser paciente e respeitador.
A Dra. Karen Overall disse que “a dominância é um conceito que encontramos na etologia tradicional e que faz referência à habilidade de um indivíduo em manter ou controlar o acesso a alguns recursos. Não devemos confundi-la com o status”.
A agressão por dominância (ou o controlo do impulso agressivo) baseia-se em algumas formas de ansiedade. Em nenhum caso a agressão por dominância, nem a proteção dos recursos tem alguma coisa a ver com status. Se queremos classificar um cão como “dominante” a definição de “guardar os recursos” parece ser o conceito mais lógico quando consideramos que o que é verdadeiramente valioso para um cão: a comida, a água, um lugar para dormir, brincar com os brinquedos etc.
A agressão pode surgir devido a ansiedade, devido a medo, devido a dor/processo dolorosos, devido a confusão/angústia, etc.. Um com pode ver-se confuso se lhe for permitido exibir um comportamento numa situação, e se for punido pelo mesmo comportamento noutra situação. Ele pode passar a ser agressivo para se defender dessas situações ou por não saber como reagir
Organizando ideias:
- Mesmo entre lobos, agressividade por dominância é uma situação menos observada do que o que se pensava;
-Não devemos tornar-nos no alpha da matilha nem no membro dominante, mas sim no controlador de recursos, e isso deve ser conseguido de forma equilibrada: sejamos um bons lideres e não um bons ditadores!
- A agressividade pode estar relacionada com obtenção de recursos, como somos nós que os controlamos, o cão pode estar a ser agressivo por outro motivo qualquer (medo, ansiedade, etc);
- Os cães podem agrupar-se por hierarquias, mas não nos incluem nelas, e as demonstrações de agressividade não são para elevarem o status/hierarquia;
- De nada adianta comer primeiro que o cão, ou passar primeiro nas portas;
- Insistir na posição "alpha roll" em que rolamos o animal de costas e esperamos que mude o estado de espírito não faz sentido: em lobos o que ocorre é que o membro submisso mostra a sua posição expondo o abdómen e rolando, mas isso é da escolha do animal e não é forçado pelo "alfa";
- O bom comportamento do animal deve ser sempre recompensado;
- Quanto ao mau comportamento, períodos de "ignorar o cão" demasiados prolongados podem levar a stress e ansiedade, o que realmente importa não é ignorar o cão por muito tempo quando chegamos a casa ou quando ele faz algo mau, mas sim não reforçar esse comportamento (isso é muitas vezes feito sem que nos apercebamos - reforço positivo ou negativo).
- Não devemos confundir o animal: se ele pode saltar para as nossas pernas, ele irá saltar para as pernas das outras pessoas - se não quisermos que ele o faça, e que fique agressivo se o impedirmos, não devemos permitir que o faça em nenhuma situação
- Grande parte de comportamentos indesejados ocorrem por mau uso de recompensas e de castigos
- Os cães sabem interpretar as nossas reações e posturas, entendem os termos de liderança e tendem a seguir e a exibir bom comportamento com donos calmos e firmes: devem aprender que o bom comportamento e respeito levam a recompensas
"The American Veterinary Society of Animal Behavior (AVSAB) has released new guidelines on the use of dominance theory in behavior modification of animals. The guidelines say, in part:
The AVSAB emphasizes that the standard of care for veterinarians specializing in behavior is that dominance theory should not be used as a general guide for behavior modification. Instead, the AVSAB emphasizes that behavior modification and training should focus on reinforcing desirable behaviors, avoiding the reinforcement of undesirable behaviors, and striving to address the underlying emotional state and motivations, including medical and genetic factors, that are driving the undesirable behavior.
AVSAB is concerned with the recent re-emergence of dominance theory and forcing dogs and other animals into submission as a means of preventing and correcting behavior problems. For decades, some traditional animal training has relied on dominance theory and has assumed that animals misbehave primarily because they are striving for higher rank. This idea often leads trainers to believe that force or coercion must be used to modify these undesirable behaviors.
In the last several decades, our understanding of dominance theory and of the behavior of domesticated animals and their wild counterparts has grown considerably, leading to updated views. To understand how and whether to apply dominance theory to behavior in animals, it’s imperative that one first has a basic understanding of the principles.
The full text of this guideline is available in the Articles section of ABRIonline.org here and also from the website of AVSAB www.AVSABonline.org"
http://www.streetdogrescue.com/aboutus/Pack_theory.pdf
http://igitur-archive.library.uu.nl/student-theses/2013-0116-200805/Scriptie_12-03_versie_def.pdf
http://comportamento-canino.blogspot.pt/
http://www.doglistener.co.uk/
http://avsabonline.org/uploads/position_statements/dominance_statement.pdf