terça-feira, outubro 8

Avaliação de Bem-estar em Pequenos Animais

Deparamo-nos com questões sobre bem-estar de pequenos animais durante a prática clinica do dia-a-dia e também com situações caseiras. Será que ele sofre? Será que tem um estado emocional bem regulado? Para uma boa avaliação do bem-estar é preciso saber definir o que ele significa. Para uns o fato de um animal ter uma doença ou condição patológica já é suficiente para se dizer que há alteração no bem-estar porém, se a doença não causar dor, prurido, incômodo ou alteração do "normal" comportamento do animal, poderemos dizer que o seu bem-estar é afetado? É de considerar também a seguinte situação: o bem-estar do animal é mais afetado se ele for submetido a  procedimentos que visam a cura ou o maneio de uma doença  ou se o animal não for submetido a nada? Há procedimentos que são de tal forma agressivos que o mau-estar é demasiado, há então que ponderar se será melhor permitir a evolução de uma condição sem tentativa de cura, ou realizar eutanásia.

Segundo Fraser, 2008 o bem-estar pode ser avaliado por exploração dos seguintes parâmetros:

1) Bem-estar biológico/fisiológico

O básico: O animal não deve estar submetido a condições de sede, fome, má nutrição, desconforto térmico e físico, dor ou doença (ver abaixo indicadores).

Torna-se importante definir indicadores de mau-estar que nos ajudem a avaliar a condição do animal. 
Um dos melhores indicadores é a presença de doença, mas doença essa que cause dor, prurido, alteração no normal comportamento do animal, alteração do estado emocional e stresse/ansiedade.

Um doença multifatorial pode gerar elevados níveis de stress no animal, devido a alteração de muitas rotinas e comportamento, assim como frequentes idas ao vet ou procedimentos médicos. A condição de síndrome de disfunção cognitiva leva a perda de memória e predicabilidade, levando a alteração do estado emocional do animal. Afeções na pele são bons indicadores devido ao prurido, mas tanto podem mau-estar como ser fruto de mau-estar (autotomia, stress). A CIF (cistite idiopática felina) é normalmente associada a stress nos gatos e a ansiedade.

A nutrição é muito importante, mas põe-se em questão se animais obesos têm o bem-estar influenciado, porque se realmente não há desconforto nem alteração de comportamento, será que esse animal não está bem? Em animais cuja obesidade cause stress termal, impossibilidade de exercícios e osteoartrites já é mais seguro dizer que o bem-estar é afetado.

2) Bem-estar emocional - estados afetivos

O básico: O animal não deve estar submetido a condições de dor, medo, ansiedade, stress, aborrecimento, depressão, frustração, angústia,etc.

Um estado de stress é atingido quando todos os mecanismos de compensação e apaziguamento foram esgotados e também quando o estado emocional do animal é muito negativo e ele sofre. Isso gera consequências a nivel da saúde, reprodução, aprendizagem e interatividade.

3) Bem-estar comportamental

O básico: O animal não deve ser desprovido de possibilidades de exercícios, brincadeiras, bons contatos sociais e interações. 

O bem-estar é obtido através da capacidade para lidar com o ambiente, quando a adaptação não é possível é atingido um estado de stress e podem-se manifestar lesões. Isto está ainda mais presente em animal de zoo, em que o ambiente deve ser muito bem regulado e com estímulos suficientes para que o animal não desenvolva ansiedade ou comportamentos estereotipados.





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A nível de indicadores de mau-estar, existem os animais e os ambientais/recursos
Os indicadores animais são os mais usados, embora também seja importante a recolha de informação sobre o ambiente - os recursos ambientais não são iguais para todos os animais, uns têm mais importância e variam consoante preferencias individuais.

Indicadores animais:

- Falando em indicadores fisiológicos/biológicos: o cortisol (glucocorticoides) e a ACTH podem ser indicadores de stress  mas também estarem associados a emoções positivas e níveis elevados de excitação (importante distinguir); Nunca descartar mau-estar associados a doença ou afeção.

-Falando em indicadores comportamentais: temos todo o tipo de alterações de comportamento associadas a stress como anorexia, spraying, inibição do comportamento materno e menor exploração do ambiente, assim como comportamentos repetitivos ou compulsivos como os conhecidos estereótipos.
Estes estereótipos são indicadores de mau-estar óbvios, e são comportamentos repetitivos sem foco ou função óbvia, induzidos por frustração, tentativas de lidar com o ambiente falhadas (cope) ou disfunção cognitiva. Porém, a sua ausência são é indicativa da ausência de bem-estar, apenas a presença é que é indicativa de mau.
A simples alteração de um comportamento que o proprietário nos sabe dizer que era habitual, pode ser indicadora de mau-estar, mas deve ser feita uma análise profunda da situação. Atenção que os donos são maus avaliadores de bem-estar, mas podem-nos dar informações úteis sobre hábitos e rotinas.

Os indicadores ambientais incluem a presença/ausência de enriquecimento ambiental e a presença de novos estímulos positivos ou negativos, a existência de espaços de esconderijo para o animal (importante área de proteção onde ele se sente seguro), a existência de áreas "pessoais" e de recursos para cada animal (liteiras, tigelas, camas), e a consistência  de maneio animal (maneio inconsistente gera stress; maneio em fala ou demasia também).


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Na necessidade de avaliação de bem-estar de um animal poderemos estabelecer um método que nos permita cobrir todos os pontos importantes:

1)ID do animal: 

Base)

espécie

proveniência: foi um animal resgatado da rua? Foi obtido numa loja de animais ou num canil/gatil? - este parâmetro é importante para moldar a personalidade do animal

personalidade- como é normalmente;

vive sozinho ou com outros animais/colónias?

qual a relação com outros animais e com seres-humanos conhecidos e desconhecidos?

animal é reprodutor? é castrado?

exame físico - estado hígido ou doença? dor ou prurido? 

sentidos? - cegueira pode gerar mau-estar, por exemplo

exames complementares e possível tratamento!

Atualidade) 

Há alterações comportamentais? Comportamentos indesejados?
Há alterações na rotina ou hábitos do animal?
Há supressão de comportamentos como grooming, caça, exploração do ambiente?


O proprietário pode não ser muito consistente para nos dar estas respostas...


2) ID do espaço/ambiente

Base)

Tipo de habitação- casa, prédio, roulote, etc
Presença ou ausência de enriquecimento ambiental
Recursos disponível- estão bem divididos por todos os animais?
Características do meio interno: há muito barulho? há coisas que assustam o animal? está sempre gente em casa? tem acesso ao exterior?
Características do meio externo: o que que o animal vê la fora? com o que pode interagir lá fora? há outros animais ou estimulos lá fora?
Qual o grau de interação dos donos com o animal?

Atualidade)

Houve mudança de casa? Mudança de mobília ou da disposição espacial das coisas?
Houve introdução de novos animais ou pessoas?
Houve mudanças no ambiente interno/externo notórias? - novo sistema de som, novos barulhos que se fazem ouvir, novo vizinho
Houve mudanças nos pertences do animal?
Houve mudança nos habitos do animal devido a mudanças do ambiente? - retirada ou ocupação de um espaço escondido que o animal gostava

É importante também ver se há alguma relação entre um alteração na vida do animal e o inicio de uma alteração comportamental.

E pronto, partindo daqui são muitas as perguntas que se podem fazer, e devemos organizarmo-nos para podermos obter o máximo de informação possível do proprietário. É importante ensina-lo a interpretar o seu animal, para que ele nos saiba dizer o que é "normal" ou não no seu animal. Esta anamnese deve ser suave para evitar assustar o proprietário, ele deve-se sentir confortável para nos contar tudo. 

Para além da anamnese podemos ainda usar questionários mais padronizados e indicadores, obter informação de vets anteriores que possam ter acompanhado o animal, usar videos para observar o animal e perguntar sobre o animal a outras pessoas que o conheçam, que não o dono.





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